Passeio pelas ruas da minha cidade e encontro uma cidade deserta, de pessoas e de alma. Sentados nas ombreiras das portas, velhos aguardam pacientemente que a morte lhes roube as tristezas, consumindo-se em doloroso sofrimento!
Na minha cidade, as ruas estão melancólicas e ariscas, repelem as pessoas; deambulo pela Praça da República, sinto nostalgia do antigo traçado, procuro pessoas mas não vejo absolutamente ninguém, apenas um mar de pedra fria! Corro para o centro e com a excepção do Luís da Rocha, apenas encontro a modernidade made in China, que paulatinamente expulsou para a reforma o comércio que nos habituámos a chamar tradicional.
As estradas da minha cidade, estão cobertas de imensos buracos, um traçado irregular que maltrata e humilha os carros, troça de pneus e amortecedores. Na cidade onde nasci, existe apenas um cinema, que passa sete vezes seguidas um único filme, sempre no mesmo horário, há uma peça de teatro apenas de quando em quando, uma exposição quando o rei faz anos, facto especialmente grave num Pais que é uma república!
Na cidade onde cresci, durante décadas sonhamos rezando com um Alqueva que salvasse a agricultura, com um aeroporto que maximizasse a excepcional estrutura construída pela força aérea alemã; mas o Alqueva apenas chegou quando a agricultura já tinha partido e do aeroporto apenas conhecemos o tempo perdido em fratricidas guerras umbilicais, enquanto nos céus, contemplamos os aviões que passam para outro destino qualquer!
Quando a noite chega sobre a minha cidade e quero levar amigos a deliciarem-se com a gastronomia alentejana, constato com dor que é cada vez mais complicado comer bem na nossa terra, sendo necessário ir às vilas e aldeias vizinhas, para se sentir o doce paladar da nossa comida quente.
Os prédios da minha terra, estão repletos de cor e de luz; em muitas janelas encontro placas coloridas de cores mil, gritando para toda a gente ler, que largas dezenas de casas procuram dono novo, sem que ninguém pareça comover-se com o amargo destino dos constrangidos vendedores.
Nas ruas de uma Beja que foi Pax-Julia, descubro prédios devolutos, caídos no esquecimento dos seus proprietários, não raras vezes essa sinistra figura que é o Estado, seja central ou local. Olho para os prédios da minha cidade e vejo-os desconexos e sem critério, sem estacionamento para os moradores, não vejo árvore nem jardins, pequenos campos verdes para as crianças brincarem. É verdade que temos um jardim que chamamos público, mas de públicas apenas as grades que nos roubam o jardim ao ritmo dos horários do funcionalismo público.
Os jovens da minha cidade, aqueles que na meninice joguei à bola, as primeiras namoradas da minha feliz infância, vejo-os na Ovibeja, recordamos com um sorriso efémero o passado, quando me dizem com saudade que o destino os levou para as Lisboas deste mundo, para procurar o salário ou a satisfação profissional que lhes eram negados na cidade onde nasceram. Na minha cidade, todos os anos aterram centenas de estudantes, que trazem na mala a ilusão do ensino superior, que se esforçam e lutam por um sorriso do destino, que aqui se tornam homens, mas que são obrigados a deixar a terra que aprenderam a amar, porque a cidade os explora enquanto estudam, para depois os espoliarem do sonho de encontrarem na região um emprego.
A minha cidade não tem uma auto-estrada, nem uma ligação decente para a costa alentejana, tem caminhos velhos que nos leva a vilas e aldeias que há muito deixaram de sorrir, deprimidas com muitas misérias!
Eu escolhi trabalhar numa cidade, onde os jovens casais têm que migrar para as aldeias e vilas para conseguirem comprar as casas que são obscenamente caras em Beja; onde os jovens pais desesperam para depositar os filhos em sobrelotados infantários, regiamente pagos.
A minha cidade tem igrejas, praças, museus e um castelo altaneiro, com absurdos horários que os tornam em templos de solidão e abandono!
Quem vive na minha cidade, quase não tem sítios onde praticar desporto, com excepção da velha mata, da ciclovia e da ancestral piscina. É verdade que quem passa na minha cidade, descobre altivos os grande hipermercados, até um restaurante de comida de plástico, convenientemente estacionados na entrada, para não induzir o incauto viajante a entrar na cidade.
As gentes da minha terra são pobres pessoas ricas, que suportam com um sorriso nos lábios a crueldade de imensas tempestades, povo humilde que suporta sem queixume as misérias de todos os géneros, sem nunca perder a capacidade de acreditar e de sonhar … mas um dia, esta gente boa da minha terra, vai precisar de um bocadinho de qualquer coisa, para que não percam a capacidade de sonhar o futuro. E de sorrir, mesmo nas tristezas…