Sunday, October 28, 2007

A minha cidade...

Passeio pelas ruas da minha cidade e encontro uma cidade deserta, de pessoas e de alma. Sentados nas ombreiras das portas, velhos aguardam pacientemente que a morte lhes roube as tristezas, consumindo-se em doloroso sofrimento!
Na minha cidade, as ruas estão melancólicas e ariscas, repelem as pessoas; deambulo pela Praça da República, sinto nostalgia do antigo traçado, procuro pessoas mas não vejo absolutamente ninguém, apenas um mar de pedra fria! Corro para o centro e com a excepção do Luís da Rocha, apenas encontro a modernidade made in China, que paulatinamente expulsou para a reforma o comércio que nos habituámos a chamar tradicional.
As estradas da minha cidade, estão cobertas de imensos buracos, um traçado irregular que maltrata e humilha os carros, troça de pneus e amortecedores. Na cidade onde nasci, existe apenas um cinema, que passa sete vezes seguidas um único filme, sempre no mesmo horário, há uma peça de teatro apenas de quando em quando, uma exposição quando o rei faz anos, facto especialmente grave num Pais que é uma república!
Na cidade onde cresci, durante décadas sonhamos rezando com um Alqueva que salvasse a agricultura, com um aeroporto que maximizasse a excepcional estrutura construída pela força aérea alemã; mas o Alqueva apenas chegou quando a agricultura já tinha partido e do aeroporto apenas conhecemos o tempo perdido em fratricidas guerras umbilicais, enquanto nos céus, contemplamos os aviões que passam para outro destino qualquer!
Quando a noite chega sobre a minha cidade e quero levar amigos a deliciarem-se com a gastronomia alentejana, constato com dor que é cada vez mais complicado comer bem na nossa terra, sendo necessário ir às vilas e aldeias vizinhas, para se sentir o doce paladar da nossa comida quente.
Os prédios da minha terra, estão repletos de cor e de luz; em muitas janelas encontro placas coloridas de cores mil, gritando para toda a gente ler, que largas dezenas de casas procuram dono novo, sem que ninguém pareça comover-se com o amargo destino dos constrangidos vendedores.

Nas ruas de uma Beja que foi Pax-Julia, descubro prédios devolutos, caídos no esquecimento dos seus proprietários, não raras vezes essa sinistra figura que é o Estado, seja central ou local. Olho para os prédios da minha cidade e vejo-os desconexos e sem critério, sem estacionamento para os moradores, não vejo árvore nem jardins, pequenos campos verdes para as crianças brincarem. É verdade que temos um jardim que chamamos público, mas de públicas apenas as grades que nos roubam o jardim ao ritmo dos horários do funcionalismo público.
Os jovens da minha cidade, aqueles que na meninice joguei à bola, as primeiras namoradas da minha feliz infância, vejo-os na Ovibeja, recordamos com um sorriso efémero o passado, quando me dizem com saudade que o destino os levou para as Lisboas deste mundo, para procurar o salário ou a satisfação profissional que lhes eram negados na cidade onde nasceram. Na minha cidade, todos os anos aterram centenas de estudantes, que trazem na mala a ilusão do ensino superior, que se esforçam e lutam por um sorriso do destino, que aqui se tornam homens, mas que são obrigados a deixar a terra que aprenderam a amar, porque a cidade os explora enquanto estudam, para depois os espoliarem do sonho de encontrarem na região um emprego.
A minha cidade não tem uma auto-estrada, nem uma ligação decente para a costa alentejana, tem caminhos velhos que nos leva a vilas e aldeias que há muito deixaram de sorrir, deprimidas com muitas misérias!
Eu escolhi trabalhar numa cidade, onde os jovens casais têm que migrar para as aldeias e vilas para conseguirem comprar as casas que são obscenamente caras em Beja; onde os jovens pais desesperam para depositar os filhos em sobrelotados infantários, regiamente pagos.
A minha cidade tem igrejas, praças, museus e um castelo altaneiro, com absurdos horários que os tornam em templos de solidão e abandono!
Quem vive na minha cidade, quase não tem sítios onde praticar desporto, com excepção da velha mata, da ciclovia e da ancestral piscina. É verdade que quem passa na minha cidade, descobre altivos os grande hipermercados, até um restaurante de comida de plástico, convenientemente estacionados na entrada, para não induzir o incauto viajante a entrar na cidade.
As gentes da minha terra são pobres pessoas ricas, que suportam com um sorriso nos lábios a crueldade de imensas tempestades, povo humilde que suporta sem queixume as misérias de todos os géneros, sem nunca perder a capacidade de acreditar e de sonhar … mas um dia, esta gente boa da minha terra, vai precisar de um bocadinho de qualquer coisa, para que não percam a capacidade de sonhar o futuro. E de sorrir, mesmo nas tristezas…

Para regressar ao Viagra e Prozac

Monday, October 01, 2007

A nova lei penal

Nunca gostei de juntar a minha humilde voz a teorias da conspiração; sustento que este Governo gosta tanto do poder independente dos Tribunais como todos os outros que o precederam, que tendem a olhar de soslaio para poderes que não controlam! Neste sentido, importa não esquecer que esta legislação é filha do pacto da justiça, assinada pelos dois partidos portugueses com vocação governativa, com o selo do Presidente da República!

Feita esta introdução que vai longa e chata, urge questionar: que razões motivam as amplas criticas, muitas das quais justíssimas?

Desde logo o ridículo período de vacattio legis, ou seja, o período de tempo entre a publicação e entrada em vigor! Para aqueles menos familiarizado com o tema, recordo que na nossa prática legislativa, o período normal mediava entre os seis meses e um ano. Reduzir este período para quinze dias é um acto de suprema irresponsabilidade e incompetência! Se o leitor entende que uso expressões fortes ou desrespeitosas, acredite que o não são! Ou acredito que foi por incompetente desleixo que o vacattio legis foi tão reduzido, ou teria de começar em acreditar em outras motivações, bem mais gravosas que a incompetência…

Sobre a prisão preventiva reduzir o tempo máximo é uma medida que merece um efusivo aplauso! Por mais que incomode a investigação criminal, é inadmissível a protelação no tempo de uma prisão preventiva sem a existência de um julgamento ou, em muitos casos, sem sequer uma acusação! Diferentemente, o caso do preso preventivo que já foi julgado e condenado em primeira instância e aguarda um corriqueiro recurso - as mais das vezes, com o intuito exclusivo de reduzir ligeiramente a pena - . Tratar quase da mesma forma, situações que são totalmente diferentes, é um dos principais erros da nova legislação! Sem dogmatismos absurdos, vamos assumir algo: todos devemos defender a presunção de inocência do arguido, cujas acusações se baseiam em indícios! Mas após um Tribunal, composto por três juízes (refiro-me aos casos em que na nova lei se pode aplicar prisão preventiva), depois de analisar provas, não indícios, decidir por uma condenação, então devemos deixar de crer na presunção de inocência, mas confiar no mérito da decisão e, consequentemente, numa presunção de culpabilidade!

E acrescente-se a este raciocínio um ponto que tem estado arreigado da discussão pública: a dignidade do próprio preso preventivo condenado em Tribunal! Tomemos como exemplo alguém condenado a 15 anos, por um crime necessariamente grave: depois de um ano e meio a dois anos preso preventivamente, fica em liberdade dois ou três anos, enquanto aguarda um recurso, para depois voltar a ser encerrado na prisão por mais uma década? Não ignoramos a regra não escrita de as prisões serem locais de crueldade, mas isto não será uma excessiva indignidade?

Antes da conclusão, deixar uma nota sobre a nova regra da publicidade do processo! Não compreendeu o inábil legislador, que era inaceitável que o arguido desconhecesse o processo, durante o inquérito: mas nada justifica que o citado inquérito possa ser de qualquer pessoa conhecido, porque colide com os direitos de reserva de intimidade do arguido, que, assumo, me preocupam mais que as lógicas da investigação policial!

Termino esta breve reflexão, com uma trivialidade que de tão óbvia, tem sido esquecida no discurso político. Os méritos da nova legislação, mormente a forma mais digna como são tratados os arguidos, deviam merecer um imenso aplauso: sem dúvida que esta nova legislação está muito mais em consonância com o século XXI, procurando mitigar erros do passado! Mas, é irrelevante ter um código para o novo século, quando os Tribunais funcionam como em meados do século passado! A nova lei, deveria ser o passo final da reforma da justiça, que exige mais e melhores meios, técnicos e humanos. Começar esta reforma por uma lei penal – ainda que genericamente boa – descuidando tudo o que devia ter precedido diploma e há muito se exige é de uma eloquência bacoca!

(Regressar ao Viagra e Prozac)