Vêm estes dislates a propósito de indagações sobre os efeitos dos Media nas crianças; que me desculpem os especialistas, pedagogos, pedopsiquiatrias e outros tais, mas parece-me uma axiomática evidência que os Media, com destaque para as TVs têm uma influência crucial no desenvolvimento dos nossos jovens; se sobre nós, pseudo adultos, alegadamente racionais e conscientes, são insofismáveis as consequências da publicidade, dos programas de televisão, que determinam os nossos gostos, escolhas, linguagem e a forma de entender o mundo, por maioria de razão, vão exercer igual ou superior influência em seres em desenvolvimento.
Infelizmente, as Mentes Legislativas têm-se preocupado sobremaneira com a questão da pornografia (procurando impor a nossa enviesada noção de moralidade para as gerações vindouras) em detrimento da problemática da violência, em regra gratuita. Dou o exemplo de ultimo fds na SIC: um espectáculo de wrestling: será uma escolha inteligente? Se nos preocupamos tanto em os nossos meninos verem maminhas na TV, devemos aceitar com placidez que eles sejam expostos a este triste espectáculo, que, em regra, não têm discernimento para interpretar?
Será mais uma das incongruências da era moderna! Se estamos a construir uma sociedade “pedocêntrica”, em que os nossos filhos são o centro dos nossos mundos, em que as nossas escolhas estão cada vez mais dependentes dos gostos dele, em que na organização e orçamentos familiares as crianças são a personagem principal, simultaneamente, corremos a perigoso risco de confundir tempo e afectos, com prazeres materiais, o processo educativo como a simplicidade de satisfazer os mais imediatistas caprichos.
Mas abandonamos estas divagações introdutórias, para centrarmos a nossa atenção na árdua tarefa de deslindar a complexidade legislativa que vise proteger as nossas criancinhas dos males de mundo! Como era expectável, num Estado social, não raras vezes paternalistas, de quando em quando um Estado “paizinho”, identificamos várias e diferentes leis que procuram desideratos iguais ou semelhantes.Começando esta devassa legislativa pelo topo, recorremos à Constituição da Republica Portuguesa que, entre outros primados, pugna que “as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.” (art.º 69 da CRP)
Tendo como fonte as Nações Unidas, A Convenção dos Direito da Criança, que define criança como “todo o ser humano menor de 18 ano” (art.º 1), depois de um extenso rol identificativo dos direitos fundamentais das crianças, debruçando-se especificamente sobre a questão dos Media dispõem que:Artigo 17.ºOs Estados Partes reconhecem a importância da função exercida pelos órgãos de comunicação social e asseguram o acesso da criança à informação e a documentos provenientes de fontes nacionais e internacionais diversas, nomeadamente aqueles que visem promover o seu bem-estar social, espiritual e moral, assim como a sua saúde física e mental. Para esse efeito, os Estados Partes devem:a) Encorajar os órgãos de comunicação social a difundir informação e documentos que revistam utilidade social e cultural para a criança e se enquadrem no espírito do artigo 29.º;b) Encorajar a cooperação internacional tendente a produzir, trocar e difundir informação e documentos dessa natureza, provenientes de diferentes fontes culturais, nacionais e internacionais;c) …Procurando respostas no Direito Interno Português à problemática dos Media e do desenvolvimento infantil, fazemos alusão a duas normas que são nucleares nesta temática; fazemos alusão ao preceituado no Código da Publicidade e na Lei da Televisão (descuramos a problemática da Imprensa e da Rádio, porque é manifesto que exercem uma menor influência nas crianças).
Começando pelo fim, i e, pela Lei da Televisão, detemo-nos no art.º 24 que determina que “1 - Todos os elementos dos serviços de programas devem respeitar, no que se refere à sua apresentação e ao seu conteúdo, a dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais e a livre formação da personalidade das crianças e adolescentes, não devendo, em caso algum, conter pornografia em serviço de acesso não condicionado, violência gratuita ou incitar ao ódio, ao racismo e à xenofobia; 2 - Quaisquer outros programas susceptíveis de influírem de modo negativo na formação da personalidade das crianças ou de adolescentes ou de afectarem outros públicos vulneráveis só podem ser transmitidos entre as 23 e as 6 horas e acompanhados da difusão permanente de um identificativo visual apropriado.”
No que concerne à publicidade, é inequívoca a opção legal de determinar que “a publicidade especialmente dirigida a menores deve ter sempre em conta a sua vulnerabilidade psicológica, abstendo-se, nomeadamente, de: a) Incitar directamente os menores, explorando a sua inexperiência ou credulidade, a adquirir um determinado bem ou serviço; b) Incitar directamente os menores a persuadirem os seus pais ou terceiros a comprarem os produtos ou serviços em questão; c) Conter elementos susceptíveis de fazerem perigar a sua integridade física ou moral, bem como a sua saúde ou segurança, nomeadamente através de cenas de pornografia ou do incitamento à violência; d) Explorar a confiança especial que os menores depositam nos seus pais, tutores ou professores.” (art.º 14º).
Basta esta sumária análise ao quadro legislativo vigente, para concluir sem especiais dificuldades, que o legislador procura responder de forma afirmativa e bastante, aos fundados receios de os Media terem nefastas influências sob o salutar desenvolvimento das crianças. Mas… podemos mesmo dormir descansos? Ou será que a “mão” que oferece protecção esconde uma outra que deixa escancarada a porta para caminhos que não desejamos trilhar? Será que a forma como a lei vigente está a ser aplicada, acalma as nossas inquietações?Dissertava por estes dias à volta desta pergunta: um pai consciencioso deve ou não permitir que o seu filho pré-adolescente assista ao telejornal? E foi esta inquietação que esteve na base do estranho título da conferência.
Como é do conhecimento generalizado, a reprodução das imagens da execução do Ditador Iraquiano, teve como consequência directa a morte de três crianças, que incapazes de interiorizar o que assistiram na TV, copiaram o que assistiram, impotentes para entender as consequências. Estarão de acordo com a legislação em vigor a reprodução destas imagens?Num primeiro momento, somos tentados a brandir contra os Media, protestar contra a utilização da mais cruel violência como parceiro activo no sórdido jogo das audiências. Já antes o afirmei e repito sem pudor: sou fervoroso crítico da exploração gratuita das mais chocantes imagens, com finalidades pseudo-jornalisticas! É possível informar sem chocar, relatar os factos sem colidir com os direitos do espectador, sem devassar o lado mais negro da actualidade.
Procurando beber na lei respostas, determina o n.º 6 do art.º 24 da Lei da Televisão que “ as imagens com características a que se refere o Nº 2 podem ser transmitidas em serviços noticiosos quando, revestindo importância jornalística, sejam apresentadas com respeito pelas normas éticas da profissão e antecedidas de uma advertência sobre a sua natureza.”É da interpretação a dar a esta norma, que reside a resposta à questão supra referida, sobre a legalidade da retransmissão daquelas imagens. A integridade científica força-nos a concluir pela sua licitude, tendo na base uma norma tão benevolente e a quase ausência de auto-regulação eficaz dos jornalistas. Se os progenitores e educadores não podem culpar o Estado, porque a legislação existe, se não podemos condenar as televisões, porque actuaram nos quadros da lei, onde procurar os responsáveis pela exposição das crianças às influencias negativas que emanam dos Media?Olhando para si próprios, parece-me a resposta correcta.
Os educadores, expressão aqui usada no seu mais amplo sentido de molde a englobar os pais e professores, podem e devem ser juridicamente responsabilizados por permitirem a exposição de menores aos conteúdos nefastos disponíveis nos Media; decorrente do poder paternal existe o direito-dever de vigiar a saúde física e psíquica do menor, o que, neste contexto, se sublinha.
A solução não é pacífica e pode gerar incompreensões, mas, recusamo-nos a concordar com o diapasão da irresponsabilidade de pais e professores pelo processo educativo. Os educadores têm a obrigação jurídica de cuidar do desenvolvimento harmonioso dos seus educandos; uma verdadeira obrigação, cujo incumprimento pode e deve ser sancionado pelo Direito.
No que a esta temática concerne, impele sobre estes a vinculação de monitorizar os comportamentos dos seus educandos; se é pacifica a responsabilização de pais e professores quando não cumprem os seus deveres, a mesmíssima regra se deve aplicar quando o inadimplemento se relaciona com os conteúdos a que os menores são expostos através dos média, como dispõe o artigo 486º do Código Civil. Com efeito, estamos perante omissões juridicamente relevantes, em que “existe um dever especial de praticar um acto, que seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano”.
Beja, 11 de Janeiro de 07"
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